6 de setembro de 2011

Nise da Silveira
Profa. dra. Maria Lúcia Bueno Garcia 
 
Nasce uma brasileira, nordestina, na contra-mão da história do machismo predominante no início do século XX.

1905, época em que o machismo imperava no Brasil e no mundo, acreditando-se que a mulher deveria ser submissa, servindo somente para procriar, "esquentar a barriga no fogão e esfriar no tanque". De preferência a mulher não deveria estudar, para não ter idéias próprias, que poderiam diferir das do marido, seu amo e senhor!
Foi nesse período que a pequena Nise nasceu em Maceió, nas Alagoas, Nordeste deste nosso país. De constituição delicada e franzina, Nise, caso "vingasse" (sobrevivesse) até a puberdade, tinha todas as chances de casar-se em torno dos 12 ou 13 anos, ter muitos filhos num período de 15 a 20 anos e, com a idade de quarenta e poucos, ser considerada uma senhora que já havia cumprido a sua missão na terra.


Esse era o destino das meninas nordestinas no início do século passado.

Mas não foi esse o destino que Nise escolheu. Estudou até atingir nível superior, coisa rara e muito difícil naquela época. Formou-se em 1926 na Faculdade de Medicina da Bahia, especializando-se em psiquiatria. Em 1933 foi aprovada em concurso público para médica psiquiatra da antiga Casa de Assistência a Psicopatas e Profilaxia Mental. De 1936 a 1944 foi afastada de suas atividades por motivos políticos.


O direito à vida, também aos pacientes psiquiátricos 

Foi no período de graduação, especialização e principalmente em 1944, após o afastamento político, ao reassumir o cargo de médica do instituto público de psiquiatria, que Dra. Nise expressou seu inconformismo em relação ao tratamento a esses pacientes mentais institucionalizados: confinamento com sedação (ou prisão) química, eletrochoque, coma insulínico e cirurgias cerebrais, como a lobotomia, na intenção de diminuir as crises de agressividade dos pacientes.
A jovem doutora não percebia melhora clínica nos pacientes com os antigos métodos. Com o passar do tempo, se tornavam apáticos, improdutivos, atuavam como robôs, sem vida própria e, por vezes, com poucos cuidados de higiene e manutenção, abandonados pela família e pelo poder público, permanecendo institucionalizados por toda a vida.
Essas perversidades culminavam com vida sem qualidade e com o bloqueio dos sentimentos do paciente, onerando os cofres públicos e os contribuintes.


A introdução da arte na compreensão e tratamento dos doentes mentais 

Dra Nise propôs vida para esses doentes: permitiu a expressão de suas emoções através de terapias alternativas, tais como pintura, desenho, escultura, colagem e xilogravuras.
Através das expressões dos pacientes, intencionava interpretar suas ansiedades e medos, causas íntimas de suas dificuldades de comunicação e adaptação ao ambiente e, ao entendê-los, tratá-los e readaptá-los a uma vida digna, se possível, e produtiva.
Em 1946, coletou ferramentas para essa atividade ludoterápica e fundou o Serviço de Terapêutica Ocupacional no Centro de Psiquiatria D. Pedro II, no Rio de Janeiro. Em 1952, com a ajuda de amigos e colegas, inaugurou o Museu de Imagens do Inconsciente. Em 1956, fundou a Casa das Palmeiras, que era uma clínica de reabilitação para doentes mentais em regime externo, sem fins lucrativos.
O museu de imagens do Inconsciente atualmente contém mais de 350 mil obras entre pinturas, modelagens, desenhos, colagens e esculturas, sendo a maior no gênero, reunindo coleção artística psicopatológica única no mundo.
Já apresentou mais de cem exposições no Brasil e no exterior. É mundialmente reconhecido como arte e trabalho, como revelação do fascínio das formas que revelam o inconsciente.
As séries de imagens de um mesmo doente permitem ao terapeuta melhor compreender a sua situação psíquica. Também é tratamento, porque o indivíduo dá a forma a suas emoções e despotencializa figuras ameaçadoras, sendo instrumento de reorganizar a ordem interna, objetivando a harmonia.
A intenção é permitir que o indivíduo esquizopático, através do atelier, expresse seu íntimo como forma de tratamento e evolução de sua patologia. Que possa reintegrar novamente o convívio da sociedade e participar dela de modo produtivo, com vida digna, melhorando sua auto-estima e a sua criatividade.
Assim, a cada pincelada ou traço e desenho ou moldes de escultura, transcendiam para o exterior o íntimo oculto desses pacientes, seus sofrimentos e angústias, a razão de seu comportamento e introspecção ou agressividade.

Seu contato com Jung
A interpretação das manifestações interiores era um árduo trabalho de decifrar códigos, tais como desvendar um hieróglifo egípcio. Necessitavam estudos e perseverança, além de competência. Para isso, Dra. Nise aconselhou-se com o Prof. Jung, na Suíça. O Professor assombrou-se com as idéias e atuações da jovem doutora, participando ativamente em interpretações e trabalhos publicados, inclusive proporcionando estágio em Zurique, na Suíça, para a promissora psiquiatra.
Esse fato aconteceu de 1957 a 1958, época em que Dra. Nise participou do Congresso Internacional, apresentando suas idéias inovadoras e com promissores resultados.
A arte de seus pacientes encantava leigos e deslumbrava os colegas, que se entregavam à interpretação das figuras interiores ocultas e as suas transformações através do tempo, agora desvendadas pela sua arte e a dedicação de sua médica.
Dra Nise voltou ao país e propôs modificação do sistema e tratamento de todos os pacientes mentais do País. Apresentou seus planos ao presidente da República em 1961, o então, Jânio Quadros, que demonstrou entusiasmo pelas idéias propostas, as quais, porém, nunca foram concretizadas em abrangência nacional.
Dra Nise continuou seu trabalho no Rio, acompanhada de inúmeros seguidores, compatriotas e internacionais. Fez inúmeras exposições dos trabalhos de seus pacientes, grande parte já não mais dependente de internação e com melhor qualidade de vida.
Em 1966, abriu o Congresso Brasileiro de Psiquiatria com a presença do Prof. Jung, com impacto internacional.
Passou a vida toda, mesmo depois da aposentadoria em 1975, orientando e executando material de propagação do conhecimento na área e propostas de melhorias no referente ao tratamento psiquiátrico. Os trabalhos dos pacientes incentivavam a manutenção das idéias e propagação da mesma. Fez filmes, palestras, simpósios, congressos, debates e todo tipo de apresentação de suas idéias e resultados, em todo o mundo.
Dentre todos os profissionais da Medicina, foi uma das pessoas mais reconhecidas em nosso país, sendo suas idéias cultuadas mundialmente.

Meu primeiro contato com a obra de Nise da Silveira

Pessoalmente, fiquei deslumbrada com a apresentação de suas idéias e dos trabalhos de seus pacientes, no Ibirapuera, na exposição Brasil 500 anos. Lamentei na época nunca ter ouvido falar na Dra. Nise, previamente, nos bancos da faculdade ou nos cursos de pós graduação, sendo ela personalidade tão marcante na história da medicina do Brasil e mundial. Nenhuma outra mulher médica brasileira foi tão reconhecida e premiada internacionalmente.
Foi grande a sua atuação, eficaz na efetuação das idéias, com impacto imediato e futuro para o conhecimento e interpretação da psique humana. Inigualável, mulher, cidadã, médica, cumpriu sua função. Franzina na constituição, gigante na sua atuação.
Tomou condutas perante as expressões nas telas, papéis e argilas, transformadas em imagens, na tentativa de melhor entender o que se passava no íntimo de cada um, e a sua evolução emocional íntima, através da evolução de sua arte.
"Cada um desses indivíduos - esquizofrênicos ou marginais de vários gêneros - possui suas peculiaridades, mas todos têm contacto íntimo com forças naturais, brutas, virgens do inconsciente, que hajam configurado visões, sonhos, vivências nascidas dessas forças primígenas, eis um dos maiores mistérios da psique humana..." Nise da Silveira.

Referência Bibliográfica
www.museuimagensdoinconsciente.org.br



Fonte: http://www.brevesdesaude.com.br/ed06/nice.htm

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